Educação - tudo legal e tudo muito ruim
Estadão 11 de setembro de 2012 | 3h 06
Alexandre Barros
A
paixão da educação brasileira é a burocracia. Tudo é legalmente correto, mas os
resultados são pífios. Os currículos são fixados e fiscalizados pelo Ministério
da Educação (MEC) e terminam em exames que medem todos os alunos com a mesma
régua. Não importam as suas preferências intelectuais e pretensões profissionais.
Bem-sucedido é quem tira as melhores notas em todas as matérias, só que a vida
e os progressos não são medidos assim. Uns serão capazes em umas coisas e
outros, em outras. "Eu não posso fazer isso, mas posso fazer aquilo"
e são as diversidades que alimentam o progresso, não as homogeneidades. Mal
educamos a maioria dos alunos para as coisas que eles não gostam de fazer e
fracassamos em ensinar-lhes o que eles gostam.
Todos
sabemos, já no segundo grau, definir nossa direção básica: ciências humanas e
sociais ou exatas. O gargalo são as exatas.
Perguntei
a um professor de Matemática, defensor apaixonado da necessidade de todos
saberem altas matemáticas, para que elas serviam. Sua pronta resposta:
"Para calcular o tamanho dos planetas e a distância entre eles".
Segunda pergunta: e quando foi a última vez que o senhor precisou calcular o
tamanho de um planeta? Ele coçou a parte de trás da cabeça, sorriu e disse:
"Só quando eu estava na escola". Isso não é uma diatribe para que não
se ensinem ciências exatas na escola, mas a maneira de ensinar pode e deve
variar, dependendo do propósito, das vocações e das intenções de cada aluno.
Hoje
o acesso às informações está gigantescamente expandido. Fora da internet, há
ciência no canais de TV do tipo Discovery e seus desdobramentos, como há nos
seriados policiais CSI, Criminal Minds e Numbers. Isso basta para quem não vai
ser cientista exato. Para quem vai há necessidade de saber mais sobre cálculos
e experimentos. Fica, então, a pergunta: por que tentar enfiar paralelepípedos
em buracos cilíndricos e esperar que eles coincidam exatamente?
Autoritarismo
burocrático é a resposta. É assim "porque tem de ser assim". Os
professores ensinam o que sabem, sem poder mudar currículos, e de olho nos
testes estandardizados por meio dos quais o MEC insiste em que todos usem o
mesmo tamanho de sapato, não importando o tamanho do pé.
Na
década de 1990 a Universidade Estácio de Sá criou cursos com aulas das 11 da
noite à 1 da madrugada. O MEC não autorizou. A razão alegada: ninguém pode
estudar a sério nesse horário. Depois de idas e vindas burocráticas, acabaram
autorizados e foram um grande sucesso. Havia público, que, pelas mais variadas
razões, se sentia bem e rendia melhor nesse horário.
No
ano passado, com a falta de mão de obra especializada, o Senai, que não é
controlado pelo MEC, criou cursos na área de metalurgia, nas favelas do
Complexo do Alemão, das 4 da madrugada às 7 da manhã. Estavam duros de gente e
havia fila na porta (O Estado de S. Paulo, 31/7/2011). Na ausência do
preciosismo autoritário-regulatório do MEC, os cursos foram criados para
atender às necessidade do mercado e aos interesses dos candidatos.
Isso
nos leva à conclusão de estudo recente de Simon Schwartzman: educação e
crescimento econômico estão ligados, só que, ao contrário do que o senso comum
pensava, é o crescimento econômico que empurra a educação, e não esta que puxa
o crescimento.
As
grandes universidades tecnológicas norte-americanas, criadas e financiadas
pelos milionários do fim do século 19 e início do século 20, como John
Rockefeller, Andrew Carnegie, Andrew Mellon e Leland Stanford, surgiram não
porque a burocracia exigia ou gostava, mas porque a continuação do crescimento
capitalista das fortunas dos robber barons dependia da formação de profissionais.
No Brasil tudo fica na mão do governo, que pouco sabe do que o crescimento
precisa e segue iludido achando que é a educação que puxa o desenvolvimento.
Sofro
de discalculia (dificuldades em matemática, Estado, 9/4/2009). Pouco aprendi na
escola nessa matéria, mas era fascinado pelos conceitos e princípios
matemáticos descritos por Malba Tahan em O Homem que Calculava (Editora
Record). Aprendi muito com o Laboratório Químico Juvenil - fornecia substâncias
que, quando misturadas corretamente, produziam tinta de escrever invisível,
cores ou fumaça - e com o Poliopticon, cheio de lentes e tubos que me permitiam
fazer desde microscópios até lunetas para ver as vizinhas trocando de roupa.
Cedo
aprendi o básico sobre perfuração de petróleo em O Poço do Visconde, de
Monteiro Lobato, originalmente publicado em 1937. Mais recentemente, entendi
muitos conceitos de estatística, que tentaram ensinar-me por meio de fórmulas e
cálculos, lendo o Desafio aos Deuses: A Fantástica História do Risco, de Peter
L. Bernstein (Campus, 1997).
Nunca
iria ser cientista exato, mas tudo isso foi importante para entender o mundo.
Com o Tesouro da Juventude (uma coleção de livros que era como que uma mescla
das revistas Superinteressante e Galileu) aprendi a fazer uma porção de coisas
que currículos e professores insistiam em não ensinar ou em fazê-lo de maneira
errada.
Ou
bem passamos a fornecer educação customizada, tal como vendemos sapatos dos
tamanhos e modelos adequados aos pés dos clientes, ou vamos continuar a seguir
a sina de Anísio Teixeira. Na educação tudo seguirá sendo legal, mas continuará
sendo muito ruim e não funcionando.
Nisso
desperdiçaremos dinheiro dos pagadores de impostos, que terão a ilusão de que a
educação será melhor apenas porque o governo gasta mais dinheiro e insiste em
formar todos para se tornarem cientistas e literatos, quando a grande demanda
do crescimento vai em outra direção.
* PH.D. EM CIÊNCIA POLÍTICA (UNIVERSITY OF CHICAGO), É CONSULTOR EM
RISCO POLÍTICO
E-MAIL: ALEX@EAW.COM.BR
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